Agora entendo porquê as pessoas casam

Efêmera
3 min readSep 8, 2024

Uma crônica sobre esses nove meses morando sozinha, longe do mundo que eu costumava conhecer.

Era um início de tarde escaldante de janeiro, quando entrei no táxi intermunicipal com destino ao aeroporto internacional de Fortaleza. Abracei meus pais, peguei minha gata no colo como forma de despedida em seguida vi Dona Marlene chorar copiosamente enquanto Seu Antônio colocava as malas no carro. Eu vestia uma blusa roxa de mangas compridas e gola alta, calça comprida e tênis branco, afinal iria passar várias horas no frio do aeroporto e do avião. Havia baixado alguns podcasts para escutar durante o percurso, que eu não fazia ideia que durariam 24h, como sempre costumo fazer antes de viajar.

O frio na barriga me acompanhou durante a viagem inteira, as incertezas, as dúvidas e os medos também me fizeram companhia, mas a esperança do novo me deu toda coragem que precisei para seguir em frente sem olhar para trás. Lembro ainda, que mandei uma Tiquira endereçada ao meu velho amigo, pelo Uber Flash, antes de embarcar. E quando recebi o áudio de agradecimento, fiquei feliz em saber que havia proporcionado alegria genuína em alguém que amo.

Quando enfim cheguei na rodoviária, fui em direção à minha hospedagem provisória, o Hotel São Vicente. Enquanto esperava a data de me mudar para a casa da Barbie (assim batizei o primeiro lugar que morei devido às paredes serem cor de rosa), desbravei o centro da cidade em busca de materializar meu estágio final da metamorfose. Comprei alguns eletrodomésticos, móveis e itens de limpeza e cozinha.

Na primeira semana, eu tinha uma escrivaninha com cadeira de escritório, um cooktop de acendimento automático, um botijão de gás, uma rede, um ventilador e um eco assustador que devia ser preenchido. A tão aguardada geladeira demorou cerca de dez dias para ser entregue. Mas na minha percepção de tempo, demorou uma vida. Uma casa sem esse item é quase imoral, visto a tamanha falta de dignidade.

Com o passar dos meses, o limite dos cartões foi diminuindo. Adquiri guarda-roupas, mesa de jantar, poltrona, Smart TV, liquidificador, panela elétrica, umidificador de ar, itens e mais itens de cozinha. Mas a maior conquista material foi o financiamento Biz acompanhado do pagamento da carteira de habilitação. Foi ali que finalmente tive um bem móvel em meu nome. Me recordo claramente de pensar: “Então é isso que é ser adulta? Ter algo para colocar na declaração de bens?”.

Mas o que ninguém me contou sobre ser adulta (morando sozinha, em outra região do país, há 1500km de distância do ninho), foi o quanto eu iria me sentir sozinha, desamparada, desolada em vários momentos desse processo todo. Pedi transferência de unidade escolar por assédio moral, acabei me mudando por conta do locador abusivo, me envolvi com alguém em um momento ruim da minha sanidade, mudei de terapeuta, sofri perseguição no ambiente de trabalho, vim morar em um cubículo superfaturado no centro da cidade…

Particularmente, nunca vi o casamento (que no meu dicionário particular significa o ato de dividir o mesmo teto por livre e espontânea vontade dentro de um relacionamento amoroso). Como uma realidade plausível, dotada de sentido, forma ou desejo.

Mas diante da solidão que a vida adulta proporciona, comecei a enxergar a possibilidade de ter alguém de fato presente na vida, como algo a ser considerado. Sinto falta de coisas que nunca cheguei a ter, massagem nos pés, comida quentinha feita para mim, um peito para recostar quando chego exausta do trabalho, uma companhia para viajar, sair sem hora para voltar, ler um livro enquanto o outro estuda, planejar aula enquanto o outro lava a louça.

Agora eu vejo razão nas pessoas que buscam amparo em outro ser humano, desde a genuína contemplação da existência até o compartilhamento de dores, de anseios e de alegrias.

No entanto, reconheço a fragilidade que esse lugar me coloca, onde a linha entre o desejo e a carência fica extremamente borrada e quase impossível de distinguir. Nessas horas, preciso me munir de lentes que deixem essa miopia de lado e me tragam a nitidez necessária para seguir em frente. Sou completamente ciente de que ter alguém para compartilhar o mesmo teto, não me oferece a menor garantia de que o sentimento de solidão não vá aparecer, ou até mesmo reinar dentro de mim.

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Written by Efêmera

um sopro de sentimentalismo perante o caos que aqui habita

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